Hipóteses, Crenças, Certezas

aspirations_for_the_dyingA imagem ao lado completa o tema desta postagem. Em rede social alguém informa que o estudo financiado pela Fundação Templeton que buscava compreender a interação entre a “oração de cura” e a “cura” propriamente dita, mostrou que, antes pelo contrário a “oração de cura” não tem efeito algum. Infelizmente descobri que esta “pesquisa científica” não é de agora e sim data do ano de 2005, com resultados publicados no ano de 2006. Além disto os resultados foram favoráveis se considerarmos os que ficaram aguardando a “oração de cura” e não a receberam (receberam, isto sim, esperança de cura). Portanto, o tema da informação “a oração de cura não possui efeito algum” é ultrapassado. Ao mesmo tempo encontrei outro teste “científico” que visava o mesmo resultado, só que realizado em Moçambique (acessível aqui http://www.docvadis.es/jorge-cordero) com resultados bem diferentes. Não acredito neste tipo de investigação científica, que nada mais é que cientificismo. Parece que apenas compreenderemos o que é a “oração de cura” se a ciência e os testes experimentais nos fornecerem a definição. Não sei quanto foi investido na pesquisa sobre a oração de cura em Moçambique, a pesquisa da Fundação Templeton envolveu 2.5 milhões de dólares e arrecadou 2.3 milhões dos cofres públicos. Considerando que o financiamento da fundação pode ser descontado no Imposto de Renda, a Fundação ganhou 2.3 milhões do governo via incentivos de pesquisa.

Agora o que dizer do tema da pesquisa, isto é, não é uma pesquisa interessante? Não revelaria que a oração de cura é uma fraude? Bem, considero que fraude não é, mas também não é algo científico ou que se possa reduzir a termos científicos. Por certo que análises experimentais com sujeitos que se submeteram (será esta a palavra adequada?) a oração de cura, podem ser feitos. Os resultados podem ser tabulados e aferidos de forma experimental e com dados fisiológicos. Não importa, meu ponto é que a crença religiosa, e nisto se incluí a oração de cura, possui seus próprios métodos de obter resultados positivos. Tais métodos baseiam-se na crença de que os resultados positivos foram obtidos através da crença de que a oração de cura, produz cura e na descrença quanto aos resultados. Não é algo que se possa “aferir”, submeter à métodos experimentais. Claro, colocando a questão sob tal ponto de vista, posso dar a entender que creio que os pastores milagreiros estão certos e os resultados negativos (óbito do paciente, retorno da doença, etc) se deve ao paciente e à fé do mesmo. Ora, considero que resultados positivos são raros e que as pessoas que assistem ao que os pastores milagreiros fazem, crêem que estão presenciando uma tentativa de cura, tanto quanto os que acreditam no pastor milagreiro. Ou seja, mutatis mutandis, são tão ingênuos quanto os crentes. Ainda assim, devemos separar a crença religiosa quanto à oração de cura e a cura em si.

O problema está em afirmar que a oração de cura é igual ou funciona da mesma forma que a cura na medicina experimental. Se esta não for a crença de base, então não seria aceita a pesquisa experimental. Não creio que a oração de cura possa ser avaliada sob tal ponto de vista (ademais, bastante estreito). Apenas quem presencia uma oração de cura, assistida por um sacerdote, conseguirá entender por qual razão se pode crer na mesma. Este é o ponto. A crença religiosa não é compreendida por aqueles que creem apenas nos e com os métodos experimentais. Para usar uma expressão de Thomas Khun (fora do contexto aqui, é claro) as duas crenças são incomensuráveis. Os aspectos positivos da crença religiosa são vistos na forma de vida da pessoa que a sustenta e não em proposições verdadeiras cujo fundamento é a crença religiosa. A verdade da crença se dá na forma como esta crença atua na vida das pessoas e não nos resultados teóricos da crença. Sob tal ponto de vista, a teologia natural é uma completa racionalização da forma como nutrimos nossas crenças religiosas. Os resultados da pesquisa da Fundação Templeton poderiam ser diferentes e favoráveis à oração de cura. Isto em nada mudaria o caráter da oração de cura, isto é, que as pessoas que possuem crença religiosa ainda irão aceitar  a mesma, apesar dos resultados experimentais.

Lembro, a este respeito, de uma passagem descrita por Wittgenstein e presenciada por ele no front de batalha da Primeira Guerra Mundial: alguém (um sacerdote talvez) apresentava a bandeira do Divino Espirito Santo aos soldados para que a beijassem antes de enfrentar as balas do inimigos. Lembremos que as batalhas de trincheira durante a Primeira Grande Guerra consumiram milhares de vidas. Ora, um General vendo o gesto indignou-se com a crença dos soldados e se pronunciou afirmando que algum dia a ignorância iria acabar, pois a bandeira não protegia ninguém das balas inimigas. Por certo, comenta Wittgenstein, que este General nada entendeu. Os soldados não estavam apenas solicitando ao Divino Espírito Santo que desviasse as balas para longe deles, eles estavam manifestando sua Fé, estavam acertando as contas – por assim dizer – com suas crenças religiosas, solicitando salvação de suas almas e sendo humildes quanto a situação. Por certo que muitos morreriam, mas não morreriam em vão tal como o General e suas racionalizações descabidas. A crença dos soldados os fazia enfrentar a situação difícil e perigosa, tanto quanto a certeza do General em acasos das leis da natureza (sim, ele não seria atingido se, por leis físicas, as balas não viessem em sua direção) o fazia enfrentar as batalhas. Contudo, se por acaso um soldado fosse atingido ele diria (se pudesse, é claro) que sua hora havia chegado, que Deus o chamava para livrá-lo daquele inferno, que sua vida iria para junto de Deus. Já o general (se pudesse falar, é claro), apenas poderia dizer “de fato, as leis da física explicam o que está ocorrendo com minha fisiologia e as balas atiradas em minha direção não sofreram variações e, portanto, atingiram o alvo, como era de esperar”.

A crença religiosa nos sustenta, na vida e na morte ou no morrer. As leis experimentais apenas explicam que vamos morrer, que estamos morrendo, mas em nada nos ajudam a aceitar que estamos morrendo e que tal morte tem algum sentido, ainda que seja complicado dizer qual seja o mesmo.