Alição esquecida de Wittgenstein [3]

(continuação)

Tudo isto pode soar como uma verdade trivial. O próprio Wittgenstein descreve seu trabalho como uma “sinopse de trivialidades”. Contudo, quando estamos pensando filosoficamente rapidamente esquecemos estas trivialidades e nos vemos em confusões, imaginando, por exemplo, que poderemos nos compreender melhor a nós próprios se estudamos o comportamento quântico de partículas subatômicas dentro de nossos cérebros, uma crença análoga à convicção de que o estudo da acústica irá nos ajudar à compreender melhor a obra de Beethoven. Por qual razão é necessário relembramos destas trivialidades? Porque somos enfeitiçados pelo pensamento de que se nos faltar uma teoria científica de alguma coisa, nos faltará a compreensão da mesma.

Uma das diferenças cruciais entre o método da ciência e a compreensão não teórica que é exemplificada através da compreensão da peça musical, arte, filosofia e vida ordinária, é que a ciência investiga num nível de generalidade que necessariamente esquiva-se destas outras formas de compreensão. É por tal razão que uma pessoa compreender-se a si mesma jamais será uma ciência. Compreender uma pessoa é ser capaz de dizer, por exemplo, se a pessoa quer significar o que disse ou não, se suas expressões de sentimento são genuínas ou fingimentos. E como se adquire este tipo de compreensão? Wittgenstein levanta esta questão no final das Investigações Filosóficas. Existe, ele pergunta um julgamento especializado sobre a genuína expressão de sentimentos? Sim, ele responde, existe.

Mas a evidência sobre a qual este julgamento especializado quanto às pessoas é uma evidência imponderável, que resite a formulação de características gerais da ciência. A evidência imponderável, diz Wittgenstein, inclui as sutilezas do olhar, do gesto de tom. Eu posso reconhecer um legítimo olhar de amor e distingui-lo de um que apenas finge amor (…) mas serei incapaz de definir as diferenças. Se eu fosse um pintor talentoso eu poderia, concebivelmente, desenhar o olhar genuíno e o olhar que finge amor e apresentá-los em pinturas.

Contudo, o fato de que estamos lidando com evidências imponderáveis não deve nos enganar e levar-nos a crer que quando compreendemos pessoas nossas descrições são espúrias. Quando estava discutindo sua obra literária favorita, Irmãos Karamazov, com Maurice Drury, Drury disse que para ele o caráter de do Pai Zossima era impressivo. De Zossima, Dostoiewsky escreve “Foi dito que (..) ele tinha absorvido tantos segredos, tristezas, e relatos em sua alma que ao fim adquiriu uma percepção tão refinada que poderia dizer num primeiro olhar da face de um estrangeiro de onde ele vinha, o que desejava e com que tipo de tormento afligia sua mente. Sim, disse Wittgenstein, existiram pessoas como esta que podia ver diretamente a alma de outra pessoa e lhes aconselhar.

Um processo interno necessita de um critério externo” é um dos aforismos mais citados das Investigações Filosóficas. Entende-se pouco, por outro lado, a ênfase que Wittgenstein colocava na necessidade de uma percepção sensível a estes “critérios externos” em toda a sua imponderabilidade. E onde se encontra esta sensibilidade? Não, de maneira típica nas obras dos psicólogos, mas naquelas dos grandes artistas, músicos e novelistas. As pessoas de hoje, escreveu Wittgenstein em Culture and Value, pensam que os cientistas existem para lhes instruir, poetas, músicos para lhes dar prazer. A ideia de que estes últimos às podem instruir não lhes ocorre.

Num tempo como este quando as humanidades estão institucionalmente obrigadas a tentar serem ciências necessitamos mais do que nunca das lições sobre compreensão que Wittgenstein – e as artes – tem para nos ensinar.

http://www.prospectmagazine.co.uk/magazine/ray-monk-wittgenstein/

 

A Lição esquecida de Wittgenstein [2]

 

(continuação)

Segundo o próprio Penrose sua teoria é “especulativa” e, para muitos, tal teoria é uma bizarrice implausível. Mas, suponha que descubramos que a teoria de Penrose estava correta, com tal resultado entenderíamos melhor quem nós somos? Ou entenderíamos melhor a nós mesmos? Uma teoria científica é o único tipo de entendimento?

Bem, você pode perguntar que outro tipo existe? A resposta de Wittgenstein a esta questão é, segundo meu ponto de vista, seu maior e mais negligenciado contributo. Ainda que Wittgenstein tenha mudado seu pensamento entre sua primeira e segunda obra, sua oposição ao Cientismo foi constante. A filosofia, ele escreveu, “não é uma teoria, mas uma atividade”. Ela é conseguida não após uma verdade científica, mas sim após a clareza conceitual. No Tractatus esta clareza é obtida através da correta compreensão da forma lógica de nossa linguagem a qual, uma vez obtida, está destinada a permanecer inexprimível. Coisa que levou Wittgenstein a comparar suas próprias proposições filosóficas a uma escada a qual deve ser jogada fora uma vez que tenha sido usada, depois de subirmos através dela.

Na sua última obra, Wittgenstein abandonou a ideia de uma forma lógica e com a noção de “verdades inefáveis”. A diferença entre ciência e filosofia, ele agora acredita, se dá entre duas formas de compreensão: a teórica e a não teórica. Ou entre a teorética e a não teorética. A compreensão científica é fornecida através da construção e teste de hipóteses e de teorias, a compreensão filosófica, por outro lado, é resolutamente não teórica. O que buscamos na filosofia é a “compreensão que consiste em ver as conexões”.

A compreensão não teórica é o tipo de compreensão que obtemos quando dizemos que compreendemos um poema, uma peça musical, uma pessoa ou mesmo uma sentença. Tome-se o caso de uma criança que aprende sua linguagem nativa. Quando ela começa a compreender o que é dito a ela, isto se deve ao fato de ela ter formulado uma teoria? Podemos responder afirmativamente a esta questão – e muitos linguistas e psicólogos disseram exatamente isto – se desejamos, mas é uma maneira enganadora de descrever o que ocorre à criança. O critério que usamos para dizer que uma criança compreendeu o que foi dito a ela é se ela se comporta apropriadamente – ela mostra que compreendeu adequadamente a ordem “coloque este pedaço de papel no lixo” ao obedecer a instrução.

Outro exemplo preferido de Wittgenstein é o caso de compreensão de uma peça musical. Assim, como alguém demonstra que compreendeu uma peça musical? Bem, talvez ao tocá-la de maneira expressiva, ou por descrevê-la através de metáforas adequadas. E como se explica o que significa “tocar de maneira expressiva”? O que é necessário, diz Wittgenstein, é uma “cultura”: “se alguém chega à maturidade numa cultura particular – e antão reage à música de tal-e-tal maneira – você pode ensinar-lhe o uso da frase “tocar de maneira expressiva”. O que se requer para este tipo de compreensão é uma forma de vida, ou seja: um conjunto de prática comunal compartilhado, juntamente com a habilidade de ouvir e ver as conexões feitas pelos praticantes desta forma de vida.

O que é válido para a música é também válido para a linguagem ordinária “compreender uma sentença” diz Wittgenstein nas Investigações Filosóficas, “é mais como compreender um tema musical do que se possa imaginar”. Compreender uma sentença, da mesma forma, requer a participação na forma de vida, o “jogo de linguagem” ao qual ela pertence. A razão pela qual os computadores não possuem compreensão das sentenças que eles processam não é por lhes faltar uma suficiente complexidade neuronal, mas sim por que eles não são e nem poderão ser, parte da cultura que a sentença pertence. Uma sentença não adquire significado através da correlação, um por um, entre suas palavras e os objetos do mundo, antes, ela adquire significado através do uso que se faz dela na vida comunal dos seres humanos.

 

A Lição esquecida de Wittgenstein – por Ray Monk [1]

A Lição esquecida de Wittgenstein
Ray Monk, Professor de Filosofia na Universidade de Southampton, UK.
July 20, 2000
A filosofia de Ludwig Wittgenstein é estranha ao Cientismo que domina nosso tempo. O Filósofo Ray Monk explica por qual razão o pensamento de Wittgenstein ainda é relevante.
Ludwig Wittgenstein é considerado por muitos, e eu me incluo entre estes, como o maior filósofo deste século. Suas duas grandes obras Tractatus Logico-Philosophicus (1921) e as Investigações Filosóficas (1953) exercem muita influência nos desenvolvimentos subsequentes da filosofia, especialmente na tradição analítica. Sua personalidade carismática fascina artistas, teatrólogos, poetas e novelistas, músicos e cineastas, de tal forma que sua fama se espalhou para além dos limites da academia.
Mesmo assim, em certo sentido, o pensamento de Wittgenstein tem causado pouca impressão na vida intelectual deste século. Tal como ele mesmo havia percebido, seu estilo de pensamento é estranho ao estilo de filosofia que predomina em nossa era atual. Sua obra se opõe como ele mesmo disse, ao “espírito que predomina no rumo da civilização Europeia e Americana na qual todos nós nos incluímos”. Após quase aproximadamente 50 anos de sua morte podemos ver mais claramente do que nunca que o sentimento expresso por ele de que estava nadando contra a corrente da época, era justificado. Se desejarmos dar um nome que descreva esta “corrente”, podemos chamá-la por “Cientismo” (scientism), qual seja: a visão de que toda questão inteligível possui, ou uma solução científica, ou não possui solução nenhuma. É contra esta visão que Wittgenstein se via.
O Cientismo toma várias formas. Nas humanidades toma a forma da pretensão de que a filosofia, literatura, história, música e as artes podem ser estudadas como se fossem ciências com “pesquisadores” aplicados em apresentar suas “metodologias”. Tal pretensão tem produzido uma grande quantidade de péssima produção escrita, caracterizada por uma teorização vazia, especializações espúrias e o desenvolvimento de vocabulários pseudo técnicos. Wittgenstein teria olhado para estes resultados e chorado (wept).
Existem muitas questões para as quais não temos respostas científicas e não por serem questões profundas, mistérios impenetráveis, mas simplesmente pelo fato de que não são questões científicas. Entre estas podemos citar questões sobre o amor, a arte, a história, cultura, música. Todas estas questões, de fato, que se relacionam com a tentativa de nos compreendermos melhor. Existe um sentimento espalhado pela sociedade d que o escândalo de que nos falta uma teoria da consciência e, da mesma forma, existe um grande esforço interdisciplinar que envolve médicos, cientistas da computação, psicólogos cognitivos e filósofos para se encontrar respostas científicas para as questões: o que é a consciência? O que vem a ser o “si mesmo” de uma pessoa? Um dos primeiros competidores deste campo tão povoado é a teoria lançada pelo matemático Roger Penrose de que a consciência é um campo composto por uma sequência orquestrada de eventos quânticos físicos que ocorrem no cérebro. A teoria de Penrose é de que um momento de consciência é produzido por uma sub-proteína chamada “tubulina”.