(continuação)
Tudo isto pode soar como uma verdade trivial. O próprio Wittgenstein descreve seu trabalho como uma “sinopse de trivialidades”. Contudo, quando estamos pensando filosoficamente rapidamente esquecemos estas trivialidades e nos vemos em confusões, imaginando, por exemplo, que poderemos nos compreender melhor a nós próprios se estudamos o comportamento quântico de partículas subatômicas dentro de nossos cérebros, uma crença análoga à convicção de que o estudo da acústica irá nos ajudar à compreender melhor a obra de Beethoven. Por qual razão é necessário relembramos destas trivialidades? Porque somos enfeitiçados pelo pensamento de que se nos faltar uma teoria científica de alguma coisa, nos faltará a compreensão da mesma.
Uma das diferenças cruciais entre o método da ciência e a compreensão não teórica que é exemplificada através da compreensão da peça musical, arte, filosofia e vida ordinária, é que a ciência investiga num nível de generalidade que necessariamente esquiva-se destas outras formas de compreensão. É por tal razão que uma pessoa compreender-se a si mesma jamais será uma ciência. Compreender uma pessoa é ser capaz de dizer, por exemplo, se a pessoa quer significar o que disse ou não, se suas expressões de sentimento são genuínas ou fingimentos. E como se adquire este tipo de compreensão? Wittgenstein levanta esta questão no final das Investigações Filosóficas. Existe, ele pergunta um julgamento especializado sobre a genuína expressão de sentimentos? Sim, ele responde, existe.
Mas a evidência sobre a qual este julgamento especializado quanto às pessoas é uma evidência imponderável, que resite a formulação de características gerais da ciência. A evidência imponderável, diz Wittgenstein, inclui as sutilezas do olhar, do gesto de tom. Eu posso reconhecer um legítimo olhar de amor e distingui-lo de um que apenas finge amor (…) mas serei incapaz de definir as diferenças. Se eu fosse um pintor talentoso eu poderia, concebivelmente, desenhar o olhar genuíno e o olhar que finge amor e apresentá-los em pinturas.
Contudo, o fato de que estamos lidando com evidências imponderáveis não deve nos enganar e levar-nos a crer que quando compreendemos pessoas nossas descrições são espúrias. Quando estava discutindo sua obra literária favorita, Irmãos Karamazov, com Maurice Drury, Drury disse que para ele o caráter de do Pai Zossima era impressivo. De Zossima, Dostoiewsky escreve “Foi dito que (..) ele tinha absorvido tantos segredos, tristezas, e relatos em sua alma que ao fim adquiriu uma percepção tão refinada que poderia dizer num primeiro olhar da face de um estrangeiro de onde ele vinha, o que desejava e com que tipo de tormento afligia sua mente. Sim, disse Wittgenstein, existiram pessoas como esta que podia ver diretamente a alma de outra pessoa e lhes aconselhar.
“Um processo interno necessita de um critério externo” é um dos aforismos mais citados das Investigações Filosóficas. Entende-se pouco, por outro lado, a ênfase que Wittgenstein colocava na necessidade de uma percepção sensível a estes “critérios externos” em toda a sua imponderabilidade. E onde se encontra esta sensibilidade? Não, de maneira típica nas obras dos psicólogos, mas naquelas dos grandes artistas, músicos e novelistas. As pessoas de hoje, escreveu Wittgenstein em Culture and Value, pensam que os cientistas existem para lhes instruir, poetas, músicos para lhes dar prazer. A ideia de que estes últimos às podem instruir não lhes ocorre.
Num tempo como este quando as humanidades estão institucionalmente obrigadas a tentar serem ciências necessitamos mais do que nunca das lições sobre compreensão que Wittgenstein – e as artes – tem para nos ensinar.
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