Fazer Filosofia 2

Quanto à segunda afirmação, a saber: na academia de filosofia fazemos apenas exegese de textos de filosofia. Já se comentou algo na postagem anterior sobre esta noção equivocada do que seja fazer exegese. A ideia que predomina em muitos filósofos acadêmicos é a de que a exegese consiste numa mera repetição e esclarecimento de passagens de textos clássicos ou considerados clássicos na filosofia. Seria como dizer, “faça o que fizer, você sempre estará repetindo algum texto” ou “sua tarefa será sempre explicar um texto ou argumento de um texto”. Existe aqui uma concepção equivocada do que seja “repetição”, “exegese” e para qual fim estas palavras são empregadas.

Contudo, esta queixa, por assim dizer, se volta para o vazio. Isto devido ao fato de que concebe que é possível algo como um “fazer filosofia”, sem acessar os textos dos filósofos. Fazer filosofia, sob este ponto de vista, seria como “ter insights filosóficos” e, obviamente, também crê que para ter estes insights pouco importa a filosofia, obras de filosofia. Seria como “ser possuído” pela filosofia, “incorporá-la” sem que ainda se saiba o que a mesma é ou em que consiste fazer filosofia. Pior ainda, a maneira de ensinar pessoas a “fazer filosofia” teria de ser, obrigatoriamente, ensinar a “ter insights”, ser inovador, etc. Poderíamos denominar isto por “animismo” com a palavra filosofia. Algo que, em nada, se pode chamar por “fazer filosofia”. Na verdade a queixa da afirmação (2) se confunde com “erudição”, mas aqui com um sentido negativo de acúmulo de informações obre um tema. Mas, por sua vez, isto também não consiste em uma acusação grave. A palavra “erudição” traz consigo uma imagem e esta imagem é equivocada. A erudição na verdade significa que se obteve conhecimento aprofundado de determinados fatos e concepções e suas conexões com outros campos do saber ou outras obras da cultura. Logo, uma pessoa que faz filosofia pode, de fato, ser um erudito em um tema ou vários. Isto, por sua vez, nada implica de negativo para a filosofia. Certamente que o pano de fundo neste caso é uma relação equivocada entre “especialista” e “erudito”.

Retornemos ao pano de fundo da afirmação (2) e sua queixa de que a filosofia acadêmica é mera repetição. Na verdade a ideia que permite esta queixa é a de que nos estudos acadêmicos de filosofia não há lugar para inovação e para a criatividade. Ou seja, a criatividade deveria ser a orientação para toda pessoa que estuda filosofia e não a repetição e exegese de textos. Contudo, a palavra criatividade não tem significado sem que um contexto lhe seja dado. Em que sentido se pode atribuir criatividade a uma pessoa? Talvez por ela resolver problemas com poucos recursos; talvez, por ela resolver corretamente problemas, apesar de ter muitos recursos. Contudo, a criatividade de uma pessoa na filosofia, se mostra na consideração de um tema específico a partir de um ponto de vista que ainda não foi amplamente desenvolvido, ou quanto às consequências de um tema já desenvolvido. Não se pode afirmar tacitamente que “fazer filosofia” é ser criativo. O mesmo se poderia dizer de alguém que inicie seus estudos em pintura ou música, isto é, deveríamos ensinar esta pessoa a ser criativa, inovar, mas não lhe ensinaríamos pintura e, sendo assim, ela poderia crer que o que quer que ela pintasse seria aceitável.

doubts

Ora, na filosofia não estamos sós. Temos pessoas que escreveram textos, os quais possuem diferentes graus de dificuldade e que tratam de forma diferente os mesmo temas. Será portanto necessário saber distinguir quais as consequências desta ou daquela consideração sobre um tema. Para tanto se deve ler e compreender os textos daqueles que já escreveram sobre o tema e, nesta tarefa, não se pode malbaratar o texto do autor e, portanto, é necessário compreender o texto. Mas, por outro lado, isto não significa fazer exegese e nem implica repetição de um texto, ainda que a repetição possa ocorrer (algumas pessoas preferem repetir e ter segurança e não especular de forma selvagem sobre um tema). Notadamente, a queixa da afirmação (2) engana-se ao não perceber que a filosofia está entremeada de diálogo e discussão de temas. Estes temas já são conhecidos e a frustração ocorre quando não se consegue superar o argumento do filósofo em questão. Contudo, isto ainda não esclarece em que consiste “fazer filosofia”, pois se espera uma indicação segura e definitória. Entretanto, é exatamente isto que não temos, pois a filosofia não consiste em um tema, obra, autor ainda que estes façam parte da filosofia. E nem, tampouco, em ser “criativo” ou inovador. O problema está na exigência de uma definição, de uma indicação. Como se, sem tal indicação, nada se faz. Seria dizer “se não me ensinam a operar a máquina, como saberei operá-la?”. Mas esta é uma visão equivocada.

Entretanto, fazer filosofia é adquirir sensibilidade para determinadas considerações. Por exemplo, para todas as pessoas, apenas morremos, nosso corpo se desfaz como qualquer material orgânico. Contudo, para quem tem a sensibilidade, filosófica, para a morte a pergunta será “o que significa isto?”, “que implicações tem a morte para a vida?”. O mesmo se pode dizer da pessoa que possui sensibilidade para as ações políticas: ela não aceitará tomar atitudes que violem ou intimidem outras pessoas, pois este é o problema em tomar uma ação política. Se não for desta forma, então é apenas a tentativa de impôr e dominar outras pessoas; ignorar que a história tem papel importante para nossas ações. Mas isto depende de sensibilidade, coisa que em nossa época de romantismo exacerbado, se torna uma opção sem importância. Portanto, saber “fazer filosofia” depende, de forma bastante circular, de ter sensibilidade filosófica e esta, dito de forma rudimentar, é crer que é importante considerar que temas e argumentos são relevantes devido às suas consequências filosóficas e não por que sabemos dominá-los e sabermos como se constrói argumentos a partir deles.

Ao fim e ao cabo, a afirmação (2) é a queixa de uma ausência de positividade, isto é, ausência de um resultado que seja “produto”. Seria dizer: aqui se faz filosofia e eis aqui o resultado, enquanto se aponta para algo. Mas não há para o que apontar, a não ser notas e escritos. Logo, a conclusão é: não se faz nada que não seja repetir, repetir, anotar e assim por diante. Entretanto, se poderia dizer que “fazer filosofia” seria como que considerar um argumento, tema ou situação de vida levando em conta que alguém mais já pensou sobre o mesmo. Se, nesta tarefa, alguém crê que a forma como aquele argumento ou tema é a que apresenta melhores consequências para o mesmo, por certo, que buscará compreender aquela forma de pensar ou considerar e irá ler os textos. Mas, isto por sua vez, não é o que se pode chamar por fazer filosofia e sim, um aspecto da tarefa. Ao mesmo tempo, a academia de filosofia necessita compulsar, anotar, escrever e considerar temas já pensados, pois esta é a forma pela qual alguém que tenha sensibilidade para argumentos, temas e escritos poderá desenvolver suas considerações. Portanto, não se trata de ter criatividade e sim de ter sensibilidade. Mas isto, é algo que não se ensina e as pessoas que passam anos considerando problemas, argumentos e temas com os quais não tem envolvimento, certamente reclamarão que a academia apenas repete, não incentiva a criatividade e causa tédio. As obras dos filósofos não fazem sentido para estas pessoas e, portanto, lhes surgirá a pergunta “por qual razão ler este texto e não aquele outro?”, “quem explica por qual razão N e X são considerados grandes filósofos e P, Q e T não o são?”. Ou seja, esta pessoa, entediada e sem criatividade alguma, não entende com o que está lidando, por assim dizer. O que lhe falta é a sensibilidade para diferentes considerações possíveis, justamente, por tal razão, perguntará “em que consiste fazer filosofia?” e todas as respostas irão incluir exemplos de textos de filosofia. Uma resposta que ela considerará circular e repetitiva.

Por fim, isto também explica aqueles filósofos (que abandonaram a filosofia), intelectuais que acreditam no ensino de filosofia, como o ensino de textos de filosofia. Terão de pensar “quais textos serão os mais indicados para…?”, que textos ela ou ele deverá incutir em seus alunos. Uma vez que a filosofia é uma tarefa de saber o que pensou este, esta ou aquela filosofa para um determinado fim que se crê ser o desejado. O tema da liberdade exige que se leia este ou aquele auto. O tema do sentido da existência exige que se leia este, esta e aquela. Mas o trabalho começa e termina no texto, na consideração do filósofo. Entretanto, a filosofia deveria ser um despertar da sensibilidade para determinados temas e considerações e ocorre que apenas a leitura e consideração não desperta a sensibilidade; tenta dizer, aquilo que apenas se pode mostrar através dos textos para pessoas que possuem a tendência e espírito (para usar uma palavra estranha) já sensível para o que se vai tratar. Portanto, a filosofia pode ser ensinada para aqueles que desejam a filosofia e não há como determinar em que momento, através de que experiência alguém deseja a filosofia. Tudo se torna uma grande frustração, pois nada se acrescenta e a grande descoberta será a de compreender, o que se desejava que fosse acrescido, qual era a falta que deveria ser suprida. Este nãos erá o trabalho com textos, temas e argumentos, ainda que nesta trajetória estes sejam importantes. Será um trabalho sobre a própria sensibilidade através dos textos, das anotações e explicações do texto de um filósofo. 

Fazer Filosofia 1

Se tornou comum no meio acadêmico da filosofia, escutarmos dois tipos de afirmações:

(1) estou cansado de trabalhar apenas com a exegese deste ou desta filosofa e desejo trabalhar com algo mais criativo, ou

(2) fazer filosofia é muito mais que citar ou explicar passagens de textos dos, considerados, grandes filósofos. A filosofia é muito mais que um trabalho de exegese de textos do passado. Não podemos fazer filosofia apenas explicando textos.

Ambos argumentos me parecem se originar de profundas incompreensões, não apenas pelo que afirmam, mas também pelo que supõem. Considerando que a pessoa que é capaz de elaborar tais afirmações deve saber o que diz, então deve-se considerar que já é alguém que possui estudos acadêmicos de filosofia. Isto é, já deve ter uma cultura filosófica, suficientemente formada, para saber usar as expressões “exegese”, “grandes filósofos”, “explicar a passagem em um texto”, “fazer filosofia”. Ao mesmo tempo, se o que estas expressões significam, não é o que a pessoa deseja continuar fazendo, então ela deve estar supondo que a filosofia pode ser feita – seja lá que sentido tenha esta palavra neste contexto – sem recorrer aos textos dos filósofos e sem exegese. Ao mesmo tempo, a afirmação (1) considera que é compreensível “cansar de trabalhar com este ou aquela filosofa” e este cansaço diz respeito aos argumentos do filósofo ou filosofa em questão. Ou seja, é como se a pessoa estivesse a queixar-se de não quer mais ler o mesmo texto.

worship-n-doubt

Considero que o pressuposto, tanto de (1) quanto de (2) é o mesmo, ainda que o conteúdo, por assim dizer, de cada um seja diferente. O que predomina nos dois ponto de vista é que “fazer filosofia” pode ser descrito pela palavra “fazer” e, mais ainda, que este “fazer” é tomado literalmente, isto é, existe um resultado no fazer filosófico e este resultado é o que está ausente na exegese de textos ou na explicação de argumentos e passagens de algum filósofo ou filosofa. Portanto, assim como posso me cansar de fazer sempre o mesmo trabalho ou tarefa, e isto, por sua vez, traz a repetição e a monotonia, também posso me cansar de trabalhar sempre com o mesmo texto, os mesmo argumentos e não obter prazer algum com isto.

Ainda, e dentro desta mesma queixa de cansaço, explicar uma passagem da Crítica da Razão Pura de Imanuel kant, é fazer um trabalho interno à própria obra ou a filosofia de Kant (considerando qual passagem se está tentando elucidar). Este trabalho interno seria válido apenas enquanto tal e seu resultado é relevante apenas enquanto limitado aos estudos da filosofia de Kant. Portanto, apesar de se poder apontar um resultado concreto como fruto desta tarefa, o mesmo não é a filosofia. Esta, concebemos, é algo diferente disto e não consiste numa tarefa interna a qualquer ponto de vista filosófico. Com isto, e pretendo desenvolver mais adiante este ponto, ficamos no aguardo de uma indicação quanto ao que seja a “tarefa filosófica” uma vez que apenas se apontou o que ela não é.

Este raciocínio conta ainda com o emprego de uma palavra que traz conotações negativas ou, se não isto, ao menos não traz conotações interessante e, justamente por isto é empregada. A expressão “exegese” tal como é usada, pode ser definida como uma tarefa de explicar uma frase, texto, passagem, da obra de filosofia. A tarefa típica que os argumentos (1) e (2) consideram que é tradicionalmente feita na academia de filosofia, consiste em separar uma determinada expressão do texto do filósofo (uma expressão que se torna estranha, pois não se definiu ainda o que é fazer filosofia, para afirmar que alguém realiza isto ou não) ou uma passagem específica e explicá-la. Este termo é usado comumente nos estudos Bíblicos. Ao mesmo tempo, o termo pode significar também, “interpretação critica” ou “análise” de uma passagem do texto. Assim, portanto, quando na academia explicamos qual a relação da palavra “desvendar” usada por Wittgenstein na seção 90 das Investigações Filosóficas com a discussão do argumento da linguagem privada (para o momento digamos que existe tal argumento no texto), não estamos fazendo exegese ou interpretando o texto. Estamos fazendo uma análise crítica e, como se diria em Grego, “hêgesthai” o que significaria que estamos “indicando” ou “guiando” a compreensão quanto ao texto e não apenas quanto aquela expressão.

Bem, por mais que a análise critica tenha seu valor e que “indicar” o caminho de compreensão em um texto ou sobre um texto, tenha seu valor e apresente um resultado, isto é, seria um “fazer”, ainda não seria definitório do que as afirmações (1) e (2) consideram que seria “fazer filosofia”. Ao contrário, isto seria exatamente o que aqueles argumentos consideram como “não” sendo “fazer filosofia” e como aquele trabalho que não é criativo. Ora, quanto a esta busca por criatividade e não repetição na filosofia, se parece muito com a busca por “inventar algo novo” na ciência. Isto é, tudo se passa como se o cientista estivesse cansado com sua tarefa monótona e repetitiva e abandona o trabalho. Ele passaria a não repetir, não mais conferir e testar o que já domina, enquanto teoria, e passaria a “criar”. Talvez não seja adequado comparar o “fazer filosofia” com a tarefa do cientista, talvez seria melhor comparar com a tarefa do artista, músico ou pintor. Neste caso, o pintor não mais quer repetir o mesmo estilo, as mesmas tonalidades de uma dada escola de pintura (seria interessante ouvir de um pintor “estou exausto de ser pontilhista!”). Ele busca ter prazer com que o faz e resolve ser criativo, novas tonalidades, novos motivos, novas intenções (não mais a arte pela arte, mas a arte engajada ou a arte conceitual). O resultado disto, consideramos, será uma pintura. Mas, ainda que alguns possam objetar que os novos tons, motivos e intenções se tornem algo “novo”, ele apenas o será se o que nega já for entendido. Assim, se não sei apreciar obras de pintura clássica não saberei apreciar outros tipos de obras diferentes destas. Eu não as entenderei. E isto poderia ser dito do caso do cientista “criativo”, isto é, ele é criativo em relação ao quê? Ele se tornou um pesquisador inventivo e inovador em comparação com o quê? Sua própria invenção? Poderia este cientista dizer “fazer ciência não consiste em repetir experiências que vários outros realizaram” ou “estou cansado de observar estes mesmos vírus, isto já não me traz prazer. Vou buscar outros objetos de observação”, Isto que fazemos nos laboratórios não é fazer ciência”. Ora, não creio nisto, uma vez que não me parece que “fazer filosofia” seja uma tarefa análoga a qualquer tarefa na ciência ou no que se entende como sendo a tarefa de um cientista. Contudo, é exatamente esta possibilidade que o filósofo acadêmico entediado com seus estudos supõe. Na analogia com o caso do artista, seria como dizer “cansei de ser um pontilhista, preciso de algo novo”. Mas neste caso, o novo não poderia ser outra escola de pintura e sim, algo que nem este artista entediado poderia explicar.

Acredito que a mudança na investigação filosófica consista em mudar a forma de abordar um tema ou argumento e não em inventar um tema ou argumento, ainda que isto tenha de fato acontecido na história da filosofia. Podemos tomar como exemplo, quanto a isto, o trabalho de Donald Davidson que retomou uma determinada tradição no estudo e compreensão da ação humana. Já havia uma maneira de compreender filosoficamente a ação humana que era preponderante na época de Davidson. Ele considerou que, pensar diferentemente desta maneira preponderante, poderia trazer mais clareza ao tema. Mas o que Davidson realizou não foi uma invenção e, igualmente, não trouxe uma forma diferente de considerar a ação humana pois isto seria uma novidade para seu tédio. Diferente disto, Davidson acreditou que havia uma maneira melhor de abordar o tema, isto é, a abordagem do tema pode mudar, mas o tema permanece sendo o mesmo e outras consequências interessantes surgiram. Seja como for, a “tarefa” de Davidson não foi a tarefa do cientista criativo.

Portanto, quanto a afirmação (1) a questão de mudar de tema, na verdade implica, para não ser leviandade, mudar a forma de considerar um determinado tema. Por exemplo a relação entre Lei e Valores Morais sob o ponto de vista do Positivismo ou do Jusnaturalismo. 

Escrita e Filosofia

escrever

Normalmente a concepção que temos de filosofia é que ela é um diálogo, critica, análise, poderação e consideração de pontos de vista ou argumentos. Contudo, algumas destas concepções não consideram que a filosofia é eminentemente escrita. Por certo que a filosofia é uma análise e a consideração de pontos de vista e de argumentos. Mas isto não se dá numa conversação exclusivamente. Basta lembrar que nosso acesso aos filósofos se dá através dos textos dos mesmos. Nosso contato com Husserl, para citar um exemplo, é através do que Husserl escreveu o mesmo sendo válido para todos os filósofos. Ora sendo assim, são raras as oportunidades em que travamos um diálogo em que podemos distinguir as conlcusões e consequências dos argumentos que discutimos. Ao mesmo tempo, a ideia de “diálogo” não parece trazer consigo uma consequência importante do trabalho filosófico: não ter pressa, ser minucioso, ser detalhista. Mesmo que não seja por temperamento, que seja por cuidado com o que se está discutindo. Portanto, cuidado com a ideia de que a filosofia é um “diálogo”, muitas vezes ela esconde a falta de interesse em discutir um texto, ler um texto em aula e detalhar as minúcias da argumentação. Ora, como normalmente solicito ensaios curtos em minhas aulas, acredito que seja condizente que eu forneça algumas perorações sobre as relações entre a escrita e a filosofia. Claro, não viso a profundidade no tema, mas algumas sugestões e considerações oportunas. Ao mesmo tempo, gostaria de expôr alguns argumentos sobre a interação entre filosofia e escrita.

Uma consequência nefasta que a concepção de filosofia como “diálogo” traz consigo é que tal concepção esquece que a produção de um ensaio se dá na solidão. Isto é, quem deve escrever é a mesma pessoa que está lendo e isto, por sua vez, não parece lembrar um diálogo (ainda que possamos ter diálogos interiores, não parece ser esta a noção de diálogo expressa pela concepção de filosofia como diálogo). Logo, paradoxalmente, surge a ideia de que “fazer filosofia” é uma conversação “cara-a-cara”, preferencialmente num ambiente apropriado (para muitos o termo “apropriado” pode significar uma mesa de bar ou uma conversação entre várias pessoas). Entretanto, basta considerar que se você desejar escrever a conversação, irá enfrentar problemas de memória, etc. Ora, por certo que a filosofia é um diálogo. Mas não no sentido comum: ainda que escrevendo solitariamente, você está num diálogo. Seu diálogo agora é com o próprio texto, com a argumentação.

Assim que se estabelece o argumento, o tema do escrito, surge a dificuldade de desenvolvimento: por qual caminho seguir? Buscar ou não algum texto? Consultar ou não alguém (o professor de filosofia) para judar no desenvolvimento? Mas, o quê vem a ser desenvolver a argumentação ou o argumento? Neste momento, você está diante de algo que, por assim dizer, anda por si mesmo, possui desenvolvimento próprio. Será necessário pensar em cada passagem, oração, conceito do argumento. Será necessário, talvez, reescrevê-lo buscar torná-lo mais claro. Talvez, até, separar cada frase do argumento e ponderar sobre as mesmas. Esta ponderação é o que podemos chamar de análise. E aqui você está em uma conversação com as frases, com o significado das mesmas e deve tentar explicitar o que elas significam para o todo de que fazem parte. Ao mesmo tempo, é neste momento que você se verá frente à frente com uma questão moral, por assim dizer: você não pode fugir dos problemas que cada frase lhe apresenta, você não pode facilitar e buscar a rapidez e, também, você não pode malbaratar o argumento através de uma análise superficial.

Ou seja, é como se o tempo de ponderação fosse, não apenas o tempo que você emprega e dedica ao estudo do argumento, mas também um tempo em que você estará pensando nas minúcias da linguagem, nos significados, nos sentidos que as palavras lhe apresentam. Você estará numa conversação não com ideias ou representações, imagens (ainda que estas possam lhe ocorrer). Antes, você estará contemplando a linguagem. Como se, por algum tempo, você estivesse imerso nos meandros da própria significação e sentido das palavras. As concatenações e relações entre as palavras, suas justaposições e as expressões que formam, não lhe pertencem, elas pasam diante de seus olhos lhe sugerindo outras e mais outras concatenações. Estas, as que lhe forem mais significativas, devem ser escritas. Aqui você está num diálogo com a linguagem e este diálogo será tanto mais frutífero, quanto for sua capacidade de explorá-lo com o seu próprio vocabulário.

Considerando este tempo e a minúcia do desenvolvimento da escrita, me ficou claro por qual razão a Filosofia da Linguagem Ordinária, tal como a de John Langshaw Austin ou a de Gilbert Ryle, foi abandonada. Isto é, nos dias de hoje queremos a rapidez da conclusão que “voa” das premissas. Precisamos ser rápidos, céleres a apresentar todo o raciocínio no menor espaço de tempo possível. Isto pode ser uma arte, por assim dizer; muitas revistas de filosofia exigem ensaios muito curtos, onde apenas o essencial seja apresentado (é uma arte, pois deve-se ter um refinado critério para definir o que é essencial). Neste caso, as análises de Austin e Ryle e, ao mesmo tempo, as de Wittgenstein, se tornam cansativas, monótonas e repetitivas. Percebi isto ao retomar minha leitura dos ensaios de Austin e as considerações de Stanley Cavell sobre Austin e a linguagem oridinária, a arte e o romance. Infelizmente, não temos o tempo necessário e quando o temos, desperdiçamos com ruídos.

Você pode entender que estes “ruídos”, no seu texto, são as citações desnecessárias, as notas de rodapé que apenas visam demonstrar algum tipo de erudição, as remissões à datas, títulos de livros e de ensaios de outros autores. Isto faz com que a linha de raciocínio se perca, uma vez que você acrescenta detalhes que não contribuem para a conversação. Será assim que seu leitor “conversará” com seu texto. Ele, seu texto, será como aquela pessoa que, ao conversar conosco, acrescenta detalhes desnecessários ao “fio da conversação”. E você deve lembrar que seu texto será lido, alguém se dedicará a compreeendê-lo e julgará o que você escreveu como se estivesse numa conversação com o autor do texto. Você estará num diálogo em que, paradoxalmente, não estará presente, seu escrito é uma espécie de representante de sua pessoa. Quem ler seu escrito julgará o autor do mesmo e não apenas as palavras que você usou. Pode que julgue suas palavras, as concatenações que você apresentou. Neste momento, se você não buscou ser claro(a), se não dedicou atenção aos detalhes do que desenvolvia e se poupou o argumento de algum desenvolvimento, ocorrerá um julgamento. Neste caso, a pergunta será “que tipo de pessoa é este filósofo que escreve de forma complicada?”; ‘será ele o complicado ou eu (que leio) que não tenho alcance para o que está escrito?”. O resultado, não estará sob seu controle, uma vez que você perdeu o controle ou não desejou nem tê-lo, sobre seu escrito.

O Progresso e Morte da Filosofia

vertigoA imagem ao lado é de uma cena do filme Vertigo de Alfred Hitchcock. Adiciono esta imagem como uma espécie de visualização do emaranhado de teorias e hipóteses que nos fornece a ciência. Antes que um empreendimento totalmente claro, a ciência atualmente é um grande conjunto de técnicas ou tecnologias e teorias. Contudo, recentemente alguns filósofos e outros intelectuais se reunirão em uma espécie de encontro promovido por uma universidade Inglesa a fim de tentar compreender que tipo de resposta se poderia fornecer à acusação de Sthephen Hawkins de que a filosofia está atualmente morta. Na verdade as palavras do falecido Sr. Hawkins foram “Muitos de nós nos preocupamos com estas questões a todo momento [aqui Hawkins se referia aos problemas de investigação do espaço lançadas pelo Large Hadrom Colider]. Mas todos nós devemos, algumas vezes, nos perguntar: por qual razão estamos aqui? De onde viemos? Tradicionalmente estas são questões para a filosofia, mas a filosofia está morta. Os filósofos não se mantiveram em sintonia com os grandes desenvolvimentos da ciência, especialmente da Física”. Pois bem, para o Sr. Hawkins a filosofia está morta, uma vez que os filósofos não agregaram à filosofia as novas e fantásticas descobertas da física ou de outra área qualquer da ciência. Como todo filósofo também gostaria de lançar algumas ideias sobre esta acusação ou constatação da morte da filosofia. A primeira e tradicional é que a filosofia tem o estranho costume de enterrar seus coveiros. Pois bem, o Sr. Hawkins se foi, sua obra cairá no esquecimento já que acompanha um período da ciência e das possibilidades metafísicas retiradas das teorias da ciência. A filosofia continua, mesmo que acusada de estar morta. Bem, esta é uma resposta mais que maldosa quanto às afirmações do Sr. Hawkins.

Em segundo lugar, notemos a razão que serve de base para acusar a filosofia de ser um cadáver ambulante (se tanto): os filósofos não se apropriaram ou tomaram atenção às novas descobertas da física. Bem, neste caso, já se parte de uma ideia pronta (ainda que não apresentada em detalhes), isto é, de que a física tem algo à dizer para a filosofia. Ou, pelo menos, que as questões filosóficas poderiam ganhar alguma clareza com os avanços da física. Bem, tudo depende do que se entende por “filosofia”, quais suas questões e o que esta filosofia (definida da forma desejada) necessita. Podemos ter alguma pista se prestarmos atenção ás perguntas que o Sr. Hawkins apresenta como sendo “filosóficas”, a saber: por qual razão estamos aqui (neste mundo), de onde viemos (para este mundo)? Ora, Hawkins considera como questões filosóficas perguntas que ou se originam na Cosmologia ou se originam de aspectos existenciais. Creio que ele pensava em Cosmologia, considerando que ele se dizia um “cientista”. Há um ensaio de George Edward Moore “Uma defesa do Senso Comum” em que Moore apresenta várias proposições que, segundo ele, são sabidas de todos. Moore elenca várias proposições que expressam nosso “senso comum” (que não é equivalente ao do homem da rua). Assim, que tenho um corpo, que vivi sempre próximo da superfície da terra, que tenho pais, que o fogo queima, seriam proposições inegáveis ainda pelo mais empedernido dos céticos. Claro, Moore termina o ensaio sem saber como provar que são verdadeiras. Ludwig Wittgenstein dedicou-se a ler este ensaio e o credita como “fabuloso”. Moore apresenta proposições que são empíricas, mas não são oriundas da ciência. Assim, algumas crenças como a religiosa nos forneceriam respostas ás perguntas Cosmológicas de Hawkins. Certamente ele não as aceitaria, mas sua base seria meramente um Cientismo tacanho que nega à crença religiosa qualquer relevância. Sob tal ponto de vista, Hawkins seria objetado até pelos membros do Círculo de Viena, que considerariam suas perguntas “metafísicas” e menos importantes para um empreendimento racional. Hawkins é um cientificista e não um cientista. O pessoal do CPV era mais esclarecido e mais sábio. Certamente eles chamariam a “teoria do tudo” de “grande besteira do Hawkins”.

Talvez a pergunta mais importante seja “por qual razão a filosofia não morre?” Se considerarmos bem a questão, a Teologia (infelizmente) já não interessa a mais ninguém e ficou restrita às universidade confessionais. Ainda que não esteja morta, a Teologia está em estado de dormência. Mas por que o seres humanos ainda se preocupam com a filosofia? Por qual razão os cursos de graduação em filosofia ainda recebem estudantes? Por qual razão as editoras ainda publicam livros de filosofia? Como é possível que algo sem interesse algum para as pessoas, ainda esteja vivo? Isto Hawkins não saberia responder, uma vez que para ele a morte da filosofia era apenas uma questão de “atestado de óbito”, quer dizer, de constatar a morte da filosofia. O fato é que a filosofia não está morta pois ela é a pergunta fundamental do ser humano sobre si mesmo “como entender o mundo em que se vive?” Com a ciência? Com a teologia? Mas o que se quer entender quando se pergunta pela compreensão do mundo? Estas questões são do ser humano e não apenas da academia de filosofia ou de teorias da filosofia. Portanto, concluo com o seguinte: a filosofia não morre, pois o ser humano não morre. Ao menos não no sentido em que Hawkins diz que a filosofia está morta. A contribuição da filosofia é um grande “zero” e aí está sua “utilidade para o ser humano”: depois de tudo que poderia fazer de “útil”, o ser humano se pergunta por qual razão fez tantas coisas “úteis” e o que considerou “útil”. Este tipo de questão é a questão do ser humano que busca seu sentido de existir (sem ser existencialista, é claro).

Considero que o Sr. Hawkins foi muito útil ao ser humano com suas obras, seus escritos e sua inteligência. Mas considero tudo que o Sr. Hawkins escreveu uma grande inutilidade e perda de tempo. Ao fim do dia, se quer saber por qual razão manter-se vivo e, quanto a isto, o Sr. Hawkins em nada contribui.

Hipóteses, Crenças, Certezas

aspirations_for_the_dyingA imagem ao lado completa o tema desta postagem. Em rede social alguém informa que o estudo financiado pela Fundação Templeton que buscava compreender a interação entre a “oração de cura” e a “cura” propriamente dita, mostrou que, antes pelo contrário a “oração de cura” não tem efeito algum. Infelizmente descobri que esta “pesquisa científica” não é de agora e sim data do ano de 2005, com resultados publicados no ano de 2006. Além disto os resultados foram favoráveis se considerarmos os que ficaram aguardando a “oração de cura” e não a receberam (receberam, isto sim, esperança de cura). Portanto, o tema da informação “a oração de cura não possui efeito algum” é ultrapassado. Ao mesmo tempo encontrei outro teste “científico” que visava o mesmo resultado, só que realizado em Moçambique (acessível aqui http://www.docvadis.es/jorge-cordero) com resultados bem diferentes. Não acredito neste tipo de investigação científica, que nada mais é que cientificismo. Parece que apenas compreenderemos o que é a “oração de cura” se a ciência e os testes experimentais nos fornecerem a definição. Não sei quanto foi investido na pesquisa sobre a oração de cura em Moçambique, a pesquisa da Fundação Templeton envolveu 2.5 milhões de dólares e arrecadou 2.3 milhões dos cofres públicos. Considerando que o financiamento da fundação pode ser descontado no Imposto de Renda, a Fundação ganhou 2.3 milhões do governo via incentivos de pesquisa.

Agora o que dizer do tema da pesquisa, isto é, não é uma pesquisa interessante? Não revelaria que a oração de cura é uma fraude? Bem, considero que fraude não é, mas também não é algo científico ou que se possa reduzir a termos científicos. Por certo que análises experimentais com sujeitos que se submeteram (será esta a palavra adequada?) a oração de cura, podem ser feitos. Os resultados podem ser tabulados e aferidos de forma experimental e com dados fisiológicos. Não importa, meu ponto é que a crença religiosa, e nisto se incluí a oração de cura, possui seus próprios métodos de obter resultados positivos. Tais métodos baseiam-se na crença de que os resultados positivos foram obtidos através da crença de que a oração de cura, produz cura e na descrença quanto aos resultados. Não é algo que se possa “aferir”, submeter à métodos experimentais. Claro, colocando a questão sob tal ponto de vista, posso dar a entender que creio que os pastores milagreiros estão certos e os resultados negativos (óbito do paciente, retorno da doença, etc) se deve ao paciente e à fé do mesmo. Ora, considero que resultados positivos são raros e que as pessoas que assistem ao que os pastores milagreiros fazem, crêem que estão presenciando uma tentativa de cura, tanto quanto os que acreditam no pastor milagreiro. Ou seja, mutatis mutandis, são tão ingênuos quanto os crentes. Ainda assim, devemos separar a crença religiosa quanto à oração de cura e a cura em si.

O problema está em afirmar que a oração de cura é igual ou funciona da mesma forma que a cura na medicina experimental. Se esta não for a crença de base, então não seria aceita a pesquisa experimental. Não creio que a oração de cura possa ser avaliada sob tal ponto de vista (ademais, bastante estreito). Apenas quem presencia uma oração de cura, assistida por um sacerdote, conseguirá entender por qual razão se pode crer na mesma. Este é o ponto. A crença religiosa não é compreendida por aqueles que creem apenas nos e com os métodos experimentais. Para usar uma expressão de Thomas Khun (fora do contexto aqui, é claro) as duas crenças são incomensuráveis. Os aspectos positivos da crença religiosa são vistos na forma de vida da pessoa que a sustenta e não em proposições verdadeiras cujo fundamento é a crença religiosa. A verdade da crença se dá na forma como esta crença atua na vida das pessoas e não nos resultados teóricos da crença. Sob tal ponto de vista, a teologia natural é uma completa racionalização da forma como nutrimos nossas crenças religiosas. Os resultados da pesquisa da Fundação Templeton poderiam ser diferentes e favoráveis à oração de cura. Isto em nada mudaria o caráter da oração de cura, isto é, que as pessoas que possuem crença religiosa ainda irão aceitar  a mesma, apesar dos resultados experimentais.

Lembro, a este respeito, de uma passagem descrita por Wittgenstein e presenciada por ele no front de batalha da Primeira Guerra Mundial: alguém (um sacerdote talvez) apresentava a bandeira do Divino Espirito Santo aos soldados para que a beijassem antes de enfrentar as balas do inimigos. Lembremos que as batalhas de trincheira durante a Primeira Grande Guerra consumiram milhares de vidas. Ora, um General vendo o gesto indignou-se com a crença dos soldados e se pronunciou afirmando que algum dia a ignorância iria acabar, pois a bandeira não protegia ninguém das balas inimigas. Por certo, comenta Wittgenstein, que este General nada entendeu. Os soldados não estavam apenas solicitando ao Divino Espírito Santo que desviasse as balas para longe deles, eles estavam manifestando sua Fé, estavam acertando as contas – por assim dizer – com suas crenças religiosas, solicitando salvação de suas almas e sendo humildes quanto a situação. Por certo que muitos morreriam, mas não morreriam em vão tal como o General e suas racionalizações descabidas. A crença dos soldados os fazia enfrentar a situação difícil e perigosa, tanto quanto a certeza do General em acasos das leis da natureza (sim, ele não seria atingido se, por leis físicas, as balas não viessem em sua direção) o fazia enfrentar as batalhas. Contudo, se por acaso um soldado fosse atingido ele diria (se pudesse, é claro) que sua hora havia chegado, que Deus o chamava para livrá-lo daquele inferno, que sua vida iria para junto de Deus. Já o general (se pudesse falar, é claro), apenas poderia dizer “de fato, as leis da física explicam o que está ocorrendo com minha fisiologia e as balas atiradas em minha direção não sofreram variações e, portanto, atingiram o alvo, como era de esperar”.

A crença religiosa nos sustenta, na vida e na morte ou no morrer. As leis experimentais apenas explicam que vamos morrer, que estamos morrendo, mas em nada nos ajudam a aceitar que estamos morrendo e que tal morte tem algum sentido, ainda que seja complicado dizer qual seja o mesmo.

Eleições 2014

E a república Presidencialista realiza novas eleições para presidência. O clima da eleição se tornou denso e tenso ao extremo. As duas candidaturas que se aproximam da fase final não possuem grandes diferenças em sua base, uma vez que ambas serão presidencialistas e sem maioria nas duas instâncias do parlamento. O parlamento, por falar nisto, serve apenas para confirmar as escolhas governamentais e os programas políticos a serem implementados. Portanto, mutatis mutandis, para ambas as candidaturas o parlamento tem função meramente decorativa. Este foi o problema com todos os governos até agora e também uma das causas da necessidade do “mensalão”, a compra da democracia no parlamento. Contudo, parece que eu sou um ultrapassado ao tocar neste assunto sob esta ótica. O Brasil é uma república presidencialista (infelizmente perdemos a oportunidade de nos tronarmos Parlamentaristas) e sofre as mazelas de uma administração centralizadora em que os cargos nos ministérios servem de moeda de troca no Congresso. Estas “trocas” infelizmente se dão na base de indicação de políticos e burocratas ligados aos partidos. Não há interesse no programa do governo eleito.

Apesar de ser uma eleição para presidente da República, as duas propostas estão tratando o governo do país como “briga doméstica” ou “embate pessoal”. Todos nós que temos o voto na mão e que podemos eleger um ou outro, somos tomados como tolos que necessitam ser orientados para este ou aquele lado, segundo estas ou aquelas difamações, revelações, etc. Creio que chegamos ao nível mais baixo de todas as campanhas até agora. Nada há a comentar e sim a lamentar que tenhamos estas e apenas estas, duas propostas pífias para nossa república. O resto é delírio de militantes. Espero que este capítulo termine de uma vez.

Supressão da Filosofia e da Sociologia

Estou aqui tentando compreender o que foi dito pela Candidata Dilma.

Se fosse um texto escrito ela teria de ser mais direta. Contudo, numa entrevista televisada devemos considerar um contexto maior. Ao responder as perguntas sobre educação – quando pode responder – a candidata afirmou o seguinte:

“Então, vamos embora. Olha lá, os dois anos, os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio, de fato, não estão bons. Nós não conseguimos entrar na meta. Nos últimos anos do ensino fundamental, nos aproximamos. No ensino médio, não nos aproximamos. Nós temos esse diagnóstico do ensino médio. Tanto é assim que criamos o Pronatec. O Pronatec tem duas partes, uma parte é ensino técnico. Por que criar um ensino técnico? Porque o jovem do ensino médio, ele não pode ficar com 12 matérias, incluindo nas 12 matérias, filosofia e sociologia. Não tenho nada contra filosofia e sociologia, mas um currículo com 12 matérias não atrai um jovem. Então, nós temos que primeiro ter uma reforma nos currículos e isso não é algo trivial. O governo não faz isso por decreto, porque tem todos entes federados envolvidos”.
Se a tentativa não é de suprimir Sociologia e Filosofia então por qual razão a expressão “Não tenho nada contra Filosofia e Sociologia, mas um currículo com 12 matérias não atrai um jovem”. Eu creio que o direcionamento será a supressão. Contudo, da forma ridícula que as escolas tratam estas duas “matérias” e com um direcionamento “tecnológico” o melhor é suprimir mesmo. É o ultimo passo de uma caminhada que começou na ditadura com os Ministros-Generais, uma proposta de supressão que marca as Ditaduras e as Tecno-Burocracias autoritárias.

A Filosofia e a Sociologia no ensino médio são ridículas, sem tempo, sem valorização e não atraem o “jovem” mesmo, pois o “jovem” está interessado em qualquer outra coisa que não seja a “escola”. O interesse está no “mercado de trabalho”, grana para consumir as bugigangas tecnológicas. Isto completa o circulo: ensina-se tecnologia para um público interessado em grana para consumir tecnologia. Então vamos embora: escola para criar mão-de-obra para a produção de tecnologia. A Filosofia e a Sociologia apenas teriam validade como “matérias” (expressão do século XIX) se alguém estivesse interessado nelas. Nem alunos nem professores que, quando são ligados à filosofia, insistem com Marx, Boff e outras coisas descabeladas muito mais próximos à ideologias, quando não passam as aulas escutando “legião urbana para compreender a “existência”…. Perda de tempo. Suprima-se, candidata, suprima-se.

Mais uma sugestão: por acaso o “jovem” que chega à escola já não sabe fazer contas e falar português? Claro que sabe: peça para lhe explicar o que é um Smartphone (ele irá usar a língua portuguêsa) e quanto custa. Logo, menos duas disciplinas e ficamos com um currículo enxuto e bem útil: 8 matérias. O “Jovem” vai adorar!!!! Não que eu tenha algo contra as matérias de português e matemática, .

Alição esquecida de Wittgenstein [3]

(continuação)

Tudo isto pode soar como uma verdade trivial. O próprio Wittgenstein descreve seu trabalho como uma “sinopse de trivialidades”. Contudo, quando estamos pensando filosoficamente rapidamente esquecemos estas trivialidades e nos vemos em confusões, imaginando, por exemplo, que poderemos nos compreender melhor a nós próprios se estudamos o comportamento quântico de partículas subatômicas dentro de nossos cérebros, uma crença análoga à convicção de que o estudo da acústica irá nos ajudar à compreender melhor a obra de Beethoven. Por qual razão é necessário relembramos destas trivialidades? Porque somos enfeitiçados pelo pensamento de que se nos faltar uma teoria científica de alguma coisa, nos faltará a compreensão da mesma.

Uma das diferenças cruciais entre o método da ciência e a compreensão não teórica que é exemplificada através da compreensão da peça musical, arte, filosofia e vida ordinária, é que a ciência investiga num nível de generalidade que necessariamente esquiva-se destas outras formas de compreensão. É por tal razão que uma pessoa compreender-se a si mesma jamais será uma ciência. Compreender uma pessoa é ser capaz de dizer, por exemplo, se a pessoa quer significar o que disse ou não, se suas expressões de sentimento são genuínas ou fingimentos. E como se adquire este tipo de compreensão? Wittgenstein levanta esta questão no final das Investigações Filosóficas. Existe, ele pergunta um julgamento especializado sobre a genuína expressão de sentimentos? Sim, ele responde, existe.

Mas a evidência sobre a qual este julgamento especializado quanto às pessoas é uma evidência imponderável, que resite a formulação de características gerais da ciência. A evidência imponderável, diz Wittgenstein, inclui as sutilezas do olhar, do gesto de tom. Eu posso reconhecer um legítimo olhar de amor e distingui-lo de um que apenas finge amor (…) mas serei incapaz de definir as diferenças. Se eu fosse um pintor talentoso eu poderia, concebivelmente, desenhar o olhar genuíno e o olhar que finge amor e apresentá-los em pinturas.

Contudo, o fato de que estamos lidando com evidências imponderáveis não deve nos enganar e levar-nos a crer que quando compreendemos pessoas nossas descrições são espúrias. Quando estava discutindo sua obra literária favorita, Irmãos Karamazov, com Maurice Drury, Drury disse que para ele o caráter de do Pai Zossima era impressivo. De Zossima, Dostoiewsky escreve “Foi dito que (..) ele tinha absorvido tantos segredos, tristezas, e relatos em sua alma que ao fim adquiriu uma percepção tão refinada que poderia dizer num primeiro olhar da face de um estrangeiro de onde ele vinha, o que desejava e com que tipo de tormento afligia sua mente. Sim, disse Wittgenstein, existiram pessoas como esta que podia ver diretamente a alma de outra pessoa e lhes aconselhar.

Um processo interno necessita de um critério externo” é um dos aforismos mais citados das Investigações Filosóficas. Entende-se pouco, por outro lado, a ênfase que Wittgenstein colocava na necessidade de uma percepção sensível a estes “critérios externos” em toda a sua imponderabilidade. E onde se encontra esta sensibilidade? Não, de maneira típica nas obras dos psicólogos, mas naquelas dos grandes artistas, músicos e novelistas. As pessoas de hoje, escreveu Wittgenstein em Culture and Value, pensam que os cientistas existem para lhes instruir, poetas, músicos para lhes dar prazer. A ideia de que estes últimos às podem instruir não lhes ocorre.

Num tempo como este quando as humanidades estão institucionalmente obrigadas a tentar serem ciências necessitamos mais do que nunca das lições sobre compreensão que Wittgenstein – e as artes – tem para nos ensinar.

http://www.prospectmagazine.co.uk/magazine/ray-monk-wittgenstein/

 

A Lição esquecida de Wittgenstein [2]

 

(continuação)

Segundo o próprio Penrose sua teoria é “especulativa” e, para muitos, tal teoria é uma bizarrice implausível. Mas, suponha que descubramos que a teoria de Penrose estava correta, com tal resultado entenderíamos melhor quem nós somos? Ou entenderíamos melhor a nós mesmos? Uma teoria científica é o único tipo de entendimento?

Bem, você pode perguntar que outro tipo existe? A resposta de Wittgenstein a esta questão é, segundo meu ponto de vista, seu maior e mais negligenciado contributo. Ainda que Wittgenstein tenha mudado seu pensamento entre sua primeira e segunda obra, sua oposição ao Cientismo foi constante. A filosofia, ele escreveu, “não é uma teoria, mas uma atividade”. Ela é conseguida não após uma verdade científica, mas sim após a clareza conceitual. No Tractatus esta clareza é obtida através da correta compreensão da forma lógica de nossa linguagem a qual, uma vez obtida, está destinada a permanecer inexprimível. Coisa que levou Wittgenstein a comparar suas próprias proposições filosóficas a uma escada a qual deve ser jogada fora uma vez que tenha sido usada, depois de subirmos através dela.

Na sua última obra, Wittgenstein abandonou a ideia de uma forma lógica e com a noção de “verdades inefáveis”. A diferença entre ciência e filosofia, ele agora acredita, se dá entre duas formas de compreensão: a teórica e a não teórica. Ou entre a teorética e a não teorética. A compreensão científica é fornecida através da construção e teste de hipóteses e de teorias, a compreensão filosófica, por outro lado, é resolutamente não teórica. O que buscamos na filosofia é a “compreensão que consiste em ver as conexões”.

A compreensão não teórica é o tipo de compreensão que obtemos quando dizemos que compreendemos um poema, uma peça musical, uma pessoa ou mesmo uma sentença. Tome-se o caso de uma criança que aprende sua linguagem nativa. Quando ela começa a compreender o que é dito a ela, isto se deve ao fato de ela ter formulado uma teoria? Podemos responder afirmativamente a esta questão – e muitos linguistas e psicólogos disseram exatamente isto – se desejamos, mas é uma maneira enganadora de descrever o que ocorre à criança. O critério que usamos para dizer que uma criança compreendeu o que foi dito a ela é se ela se comporta apropriadamente – ela mostra que compreendeu adequadamente a ordem “coloque este pedaço de papel no lixo” ao obedecer a instrução.

Outro exemplo preferido de Wittgenstein é o caso de compreensão de uma peça musical. Assim, como alguém demonstra que compreendeu uma peça musical? Bem, talvez ao tocá-la de maneira expressiva, ou por descrevê-la através de metáforas adequadas. E como se explica o que significa “tocar de maneira expressiva”? O que é necessário, diz Wittgenstein, é uma “cultura”: “se alguém chega à maturidade numa cultura particular – e antão reage à música de tal-e-tal maneira – você pode ensinar-lhe o uso da frase “tocar de maneira expressiva”. O que se requer para este tipo de compreensão é uma forma de vida, ou seja: um conjunto de prática comunal compartilhado, juntamente com a habilidade de ouvir e ver as conexões feitas pelos praticantes desta forma de vida.

O que é válido para a música é também válido para a linguagem ordinária “compreender uma sentença” diz Wittgenstein nas Investigações Filosóficas, “é mais como compreender um tema musical do que se possa imaginar”. Compreender uma sentença, da mesma forma, requer a participação na forma de vida, o “jogo de linguagem” ao qual ela pertence. A razão pela qual os computadores não possuem compreensão das sentenças que eles processam não é por lhes faltar uma suficiente complexidade neuronal, mas sim por que eles não são e nem poderão ser, parte da cultura que a sentença pertence. Uma sentença não adquire significado através da correlação, um por um, entre suas palavras e os objetos do mundo, antes, ela adquire significado através do uso que se faz dela na vida comunal dos seres humanos.

 

A Lição esquecida de Wittgenstein – por Ray Monk [1]

A Lição esquecida de Wittgenstein
Ray Monk, Professor de Filosofia na Universidade de Southampton, UK.
July 20, 2000
A filosofia de Ludwig Wittgenstein é estranha ao Cientismo que domina nosso tempo. O Filósofo Ray Monk explica por qual razão o pensamento de Wittgenstein ainda é relevante.
Ludwig Wittgenstein é considerado por muitos, e eu me incluo entre estes, como o maior filósofo deste século. Suas duas grandes obras Tractatus Logico-Philosophicus (1921) e as Investigações Filosóficas (1953) exercem muita influência nos desenvolvimentos subsequentes da filosofia, especialmente na tradição analítica. Sua personalidade carismática fascina artistas, teatrólogos, poetas e novelistas, músicos e cineastas, de tal forma que sua fama se espalhou para além dos limites da academia.
Mesmo assim, em certo sentido, o pensamento de Wittgenstein tem causado pouca impressão na vida intelectual deste século. Tal como ele mesmo havia percebido, seu estilo de pensamento é estranho ao estilo de filosofia que predomina em nossa era atual. Sua obra se opõe como ele mesmo disse, ao “espírito que predomina no rumo da civilização Europeia e Americana na qual todos nós nos incluímos”. Após quase aproximadamente 50 anos de sua morte podemos ver mais claramente do que nunca que o sentimento expresso por ele de que estava nadando contra a corrente da época, era justificado. Se desejarmos dar um nome que descreva esta “corrente”, podemos chamá-la por “Cientismo” (scientism), qual seja: a visão de que toda questão inteligível possui, ou uma solução científica, ou não possui solução nenhuma. É contra esta visão que Wittgenstein se via.
O Cientismo toma várias formas. Nas humanidades toma a forma da pretensão de que a filosofia, literatura, história, música e as artes podem ser estudadas como se fossem ciências com “pesquisadores” aplicados em apresentar suas “metodologias”. Tal pretensão tem produzido uma grande quantidade de péssima produção escrita, caracterizada por uma teorização vazia, especializações espúrias e o desenvolvimento de vocabulários pseudo técnicos. Wittgenstein teria olhado para estes resultados e chorado (wept).
Existem muitas questões para as quais não temos respostas científicas e não por serem questões profundas, mistérios impenetráveis, mas simplesmente pelo fato de que não são questões científicas. Entre estas podemos citar questões sobre o amor, a arte, a história, cultura, música. Todas estas questões, de fato, que se relacionam com a tentativa de nos compreendermos melhor. Existe um sentimento espalhado pela sociedade d que o escândalo de que nos falta uma teoria da consciência e, da mesma forma, existe um grande esforço interdisciplinar que envolve médicos, cientistas da computação, psicólogos cognitivos e filósofos para se encontrar respostas científicas para as questões: o que é a consciência? O que vem a ser o “si mesmo” de uma pessoa? Um dos primeiros competidores deste campo tão povoado é a teoria lançada pelo matemático Roger Penrose de que a consciência é um campo composto por uma sequência orquestrada de eventos quânticos físicos que ocorrem no cérebro. A teoria de Penrose é de que um momento de consciência é produzido por uma sub-proteína chamada “tubulina”.