Parte Final.
Verdades conceituais não matemáticas e não lógicas (i. é, verdades gramaticais) são igualmente a priori. Distinguir estas de verdades a posteriori não depende de uma distinção Carnapiana (ou de qualquer outra) entre proposições analíticas e sintéticas. Depende de uma distinção entre enunciados implícitos para o uso de palavras e aplicação de palavras de acordo com as regras assim enunciadas. Que raposos são raposas (o que é analítico, i. é, transformável numa verdade lógica pela substituição por sinonímia definitória), que vermelho é mais semelhante a laranja que amarelo (o que não é uma verdade analítica nesta acepção), que uma pessoa é um sujeito de direitos e deveres, que ter uma mente é ter um certo conjunto de habilidades, são especificações da natureza de seus temas e simultaneamente expressões de regras para o uso de seus termos constituintes. Estas autorizam descrições alternativas dos fenômenos e inferências a partir de suas descrições.
Verdades analíticas como “raposos são raposas” ou “solteiros são não casados” são uma subclasse das verdades conceituais. Foi um erro de Carnap e do Positivismo Lógico caracterizar tais verdades como verdadeiras em virtude de convenções, e alegar que a verdade delas segue o significado dos termos e das leis apenas da lógica. Elas não decorrem apenas dos significados de seus termos constituintes (nada decorre de uma palavra, mas apenas de uma proposição), mas são parcialmente constitutivas do significado destes termos. Assim, seria mais correto caracterizá-las como convenções, como expressões de regras para o uso de suas palavras constituintes sob a aparência ilusória de descrições. [pg. 33]. Naturalmente, dizer que tais proposições são verdadeiras, não é dizer que as regras que elas expressam sejam verdadeiras – pois não há tal coisa como regras verdadeiras ou falsas. É meramente confirmar seus papéis como expressões de regras. Semelhantemente, dizemos que a proposição “o rei do xadrez move-se uma casa de cada vez” expressa uma regra do xadrez e também dizemos que o rei do xadrez move-se uma casa de cada vez. Expressar este último dito é meramente afirmar que esta é uma regra do xadrez para o movimento daquela peça. Para uma proposição empírica ser verdadeira, cabe às coisas serem tais como ela diz que são. Mas, para uma proposição gramatical ser verdadeira (pouco importa se analítica, como “raposos são raposas”, ou não analítica, como “vermelho é mais escuro que rosa”), cabe à própria proposição expressar uma regra constitutiva do uso de seus termos constituintes. Uma proposição empírica falsa é compreensível: ela descreve um estado de coisas possível que de fato não ocorre. O que chamamos uma “falsa” proposição gramatical (por exemplo que rosa é mais escuro que vermelho) não descreve uma possibilidade que casualmente não ocorre. Ela nada descreve. Nem enuncia uma regra falsa de uso dos seus termos constituintes, uma vez que regras não são verdadeiras ou falsas. De fato, ela conjuga palavras de uma maneira adversa às regras de seus usos. Assim, pode-se dizer que é uma forma peculiar de nonsense. As regras para o uso de palavras não são imunes, naturalmente, a uma revisão. Mas se as revisamos, então as palavras, cujo uso elas determinam, terão um significado diferente – isso é, serão usadas de uma maneira diferente. [fim do texto de Hacker]
Ou seja, se interpreto Hacker corretamente, a ameaça de Quine ao empreendimento filosófico é, na verdade, baseada numa confusão. Quine trata as proposições gramaticais como se fossem proposições empíricas. Mais ainda, sua crítica à distinção analítico/sintético “pode” ter sua validade apenas dentro do âmbito da filosofia – ou da distinção – elaborada por Carnap. Quine é um capítulo da filosofia e não uma nova definição do trabalho filosófico.